Escolhido em 2010 para substituir Mike Portnoy na bateria do Dream Theater, Mike Mangini já não era nenhum novato quando se juntou à banda. Mas ainda é de certa forma “o cara novo”, e nos últimos quatro anos deve ter ouvido tantas perguntas sobre substituir um dos membros fundadores de uma banda cujos fãs são verdadeiros adoradores que provavelmente está cansado de se posicionar a respeito do lugar que já conquistou.
Não que isso seja problema: Mangini é quase zen e muito professor, ou seja, vê propósito e aprendizado em tudo. Além disso, ele sabe muito bem quem é e o que está fazendo e sua maior preocupação parece ser a de se manter uma pessoa positiva em tudo que fala. E fazer as pessoas felizes, sejam seus alunos ou os fãs do Dream Theater. Confira nosso bate-papo com o músico.
O Dream Theater chega ao Brasil dia 30 de setembro com a turnê "Along For The Ride", que passará por sete cidades brasileiras. Veja o serviço completo das apresentações.
Você já veio ao Brasil antes para fazer clínicas e workshops e se apresentou aqui com o Dream Theater em 2012. Já tinha tocado aqui antes?
MM: Eu estive aí com Steve Vai, não? Acho que sim. Sim, já toquei na América do Sul com Steve Vai.
E está empolgado para voltar?
MM: Estou muito empolgado. Mal posso esperar para comer aquele ótimo bife, para ver todas as pessoas lindas do Brasil, e sabe, fumar um charuto cubano e tocar para os fãs mais insanos do mundo
A banda tem alguma expectativa diferente para essa turnê aqui no Brasil?
MM: A reação vai ser melhor dessa vez e vou te dizer porquê: porque todo mundo vai saber. Acho que as pessoas não vão demorar mais do que cinco minutos para perceber. Estamos crescendo. Estamos crescendo como seres humanos, como músicos, estamos muito felizes. E todo mundo vai sentir isso. Você não tem como mentir: rostos não mentem, sentimentos não mentem. Só palavras mentem e todo mundo vai saber o quão felizes nós estamos. E quão incrível o show é também, o show é fora do comum, é fantástico.
Eu ia perguntar mesmo, porque o Petrucci descreveu essa turnê atual como a “melhor experiência de Dream Theater ao vivo até agora”. O que os fãs podem esperar de diferente nesses shows? É um verdadeiro “teatro de sonhos”?
MM: É bem diferente. Eles serão transportados por quatro horas. Primeiro há a entrada do show, que é bem tranquila. Temos uma tela de cinema mostrando coisas espaciais, fazendo as pessoas realmente entrarem num lugar especial. E o show em si são três horas da mais inacreditável loucura em forma de história que alguém poderia ver. Porque vou te dizer uma coisa: nosso show é melhor que o show mais caro para uma plateia de 40 mil pessoas. Não importa quão grande a estrela é, quantos fãs ela tem, quantas pessoas eles conseguem colocar em um lugar. Nós conseguimos fazer com que o nosso show seja melhor e mais barato, no sentido de que as pessoas pagam muito menos dinheiro para ver a gente do que pagariam para ver uma grande estrela do pop com todo tipo de... Com o quê? Luzes, vídeos, dançarinos... Mas pelo quê eles estão pagando? O que vão ver? Com o Dream Theater eles vão ver uma história de três horas. Perfeição do começo ao fim. Há uma história sendo contada enquanto nós tocamos a música mais difícil que você poderia tocar e às vezes as músicas mais simples e bonitas também. Eu não sei em que outro lugar as pessoas poderiam ter isso. E outra coisa que eu posso dizer é que temos mais mulheres e crianças vindo nos ver nos últimos anos. É esplêndido, é incrível. Nossa música está chegando a muito, muito, muito mais pessoas do que apenas um cara que treina no quarto. Agora ele pode trazer a namorada junto.
Nos últimos anos o público de vocês aumentou, não só feminino mas de modo geral.
MM: Sim!
O que você acha que está “popularizando” a banda? Vocês veem muitos pais levando seus filhos aos shows e passando a tocha adiante?
MM: Sim, tem os caras levando suas namoradas, esposas, filhos, amigos. E é porque... Lembra do documentário dos bateristas? Quando eu consegui o emprego?
Sim, a série chamava “The Spirit Carries On” se não me engano...
MM: Então, pense nisso por um minuto. Esse documentário mostrou os membros do Dream Theater como pessoas muito, muito bacanas, que estão apenas tentando fazer algo incrível com suas vidas. E as pessoas realmente viram isso. Desde o documentário, nosso Facebook passou de 1 milhão para 4 milhões [de curtidas]. Isso é enorme. E muitas dessas pessoas são mulheres e crianças E ainda mais caras. É incrível.
É como se tivesse tornado vocês mais acessíveis enquanto seres humanos?
MM: Sim, é exatamente isso. E a princípio eu fiquei com muita vergonha, porque chorei. Eu consegui o emprego! Mas o fato é que acho que mais pessoas se sentiram atraídas por mim, pelo meu propósito com a banda. E mais pessoas se sentiram atraídas pela generosidade, gentileza e disciplina e todas as coisas maravilhosas dos meus companheiros de banda. Acho que é isso. E agora elas vêm assistir a gente. Não há ostentação, nem nada de ruim, é bem positivo.
Você estava dando aulas em Berklee quando foi escolhido pela banda, e me corrija se eu estiver errada, mas de certa forma teve que passar do papel de professor para o de aluno. Como foi essa transição?
MM: Você está certa, mas não houve nenhuma transição de verdade para mim. Porque eu sempre me preparei. E você tem que lembrar que antes de ser professor eu fiz turnês mundiais com o Steve Vai, com o Extreme, o Missing Persons. Eu fui atração principal de todos os festivais de clínica de bateria do mundo, então não é como se eu fosse novo.
Sim, eu quis dizer mais se adaptar a essa banda em específico, aprender as músicas...
MM: A transição levou um tempo. Eu levei muito tempo para aprender o que tinha que aprender. Porque eu tenho que soar como Mike Portnoy para que o Dream Theater ainda soe como Dream Theater, então tive que aprender o estilo dele bem rápido. E foi isso. Foi como ser um estudante de música.
Até porque para ensinar você tem que continuar estudando, certo? É parte do processo de aprendizagem contínuo de ser um músico.
MM: Sim, até no ensaio de hoje eu aprendi algo. Toda vez que sentamos para ensaiar eu aprendo alguma coisa. Toda vez que eu passo um tempo com meus filhos aprendo alguma coisa. Eu aprendi a aceitar que cada dia é uma coisa nova e isso te torna humilde. Ninguém sabe tudo. E eu estou aprendendo alguma coisa todos os dias.
Você mencionou Portnoy e algo que eu gostaria de saber é se você sentiu algum tipo de pressão por parte dos fãs, por substituir um dos fundadores da banda.
MM: Eu senti uma ótima pressão. Uma pressão bem-vinda, que eu adoro, da qual eu vivo. E foi incrível. Veja, eu sou uma pessoa bem confiante, porque tenho a habilidade física para tocar bateria e para aprender a tocar a parte de outra pessoa. Mas eu não sou outra pessoa. Não sou Mike Portnoy, não vou tocar tudo como Mike toca, senão ele não seria ele e eu não seria eu. Acho que é isso que torna o mundo legal e incrível. E acho que há alguns fãs agora que não querem ver a gente porque eu estou na banda. E entendo que Mike Portnoy seja um herói para eles. E acho que isso é absolutamente fantástico e que elas deviam aproveitar o que Mike tem a oferecer. E que deviam continuar sendo grandes fãs dele. Mas o fato é que ele não está mais no Dream Theater. Ele foi embora de vez, para sempre. De vez, de vez, de vez. Então ou eles tem que não ir ver a gente, e deixar pra lá, ou tem que simplesmente deixar Mike criar as coisas que ele cria, aproveitar ele e os projetos dele e realmente se divertir com o que estão fazendo. Agora, no que diz respeito ao Dream Theater, eles podem vir tentar viver a experiência do que estamos fazendo ou podem não ir. Eles podem ir para outro lugar, podem ir no show do Mike. Eu não quero dizer que não importa, porque é uma coisa triste. É uma pena, mas até que eles vejam o show...
Fora que há todos esses novos fãs...
MM: Temos tantos fãs novos, toneladas deles. Estamos crescendo, foram três milhões de pessoas a mais desde que entrei. Sim, temos muitos fãs. Mas sabe, o Dream Theater é especial para as pessoas e eu sei que as contribuições que Mike fez são especiais. Ninguém está tentando dizer o contrário, eu não estou. Quer dizer, eu estou tentando tocar as partes de bateria dele para fazer as pessoas felizes, gostando delas [as partes de bateria] ou não. Estou tentando deixar esses fãs felizes e isso me faz feliz. Porque eu realmente gosto de tocar as partes de bateria, então não sei... Quer dizer, a decisão é de cada pessoa: amar ambas as coisas, ou elas podem ir embora, seguir o Mike e não se preocupar mais com o Dream Theater.
O Dream Theater tem quase 20 anos de carreira e esse é primeiro disco autointitulado do grupo. A ideia era reafirmar a identidade da banda nesse marco? Ou pode ser considerado o início de um novo momento?
MM: É um novo momento. Não acho que reafirme... Não, espere um minuto. 50/50 (risos). Acho que 50% é uma reafirmação de quem sempre foram os compositores de melodias. Até onde sei, Mike Portnoy não escreveu nenhuma música em nenhum instrumento além da bateria, então são esses outros caras que estão escrevendo as assinaturas-chave e eles ainda estão na banda, certo? Eu não sei, não estava lá.
Sim, estava pensando mais num sentido de atingir a maioridade, se tornar uma versão de certa forma “adulta” de quem se é. Não mudar, mas crescer mesmo .
MM: Vou te dizer uma coisa: eu realmente não sou o cara certo, não sou a pessoa que pode dizer isso. Estou na banda há quatro anos agora, é um bom tempo. Estou no Dream Theater há muito mais tempo do que fiquei no Extreme, o dobro de tempo. Então não sou novo. Mas a questão é que chamar o disco de “Dream Theater”... Esses caras [a banda] deram o nome, é sobre eles, reafirmando [quem são] mas também indo em direção a um novo lugar para onde sempre quiseram ir, o que não podiam fazer com Mike. Eles não podiam fazer com ele, sério. E agora é o Dream Theater que eles querem. Eu não quero falar por eles, não posso. Você tem que perguntar para eles, acho.
E vocês já estão pensando no que vem a seguir?
MM: Não como grupo, mas eu te digo o seguinte: cada um de nós está pensando, e pensando e pensando todos os dias provavelmente (risos). Porque é o que nós fazemos. Nós crescemos.
James LaBrie e Jordan Rudess estão sempre envolvidos em projetos paralelos, às vezes lançando material quase ao mesmo tempo que o Dream Theater. Como essas outras atividades influenciam a dinâmica da banda, a rotina?
MM: Eu não tenho muita certeza de como eles fazem tudo. Para ser honesto com você, todos eles... Mike Portnoy lançou material novo alguns dias depois do Dream Theater, certo? Se você pesquisar... E toda vez que eu saía na capa de uma revista a empresa de Mike Portnoy colocava ele bem na página seguinte. Eles faziam isso toda vez. Eu nunca faria algo assim, mas acho que são apenas negócios.
Sim, mas digo quando James lança um álbum solo ou Jordan se envolve com a criação de software, ou o Liquid Tension Experiment por exemplo. Essas coisas se misturam com as da banda ou eles mantêm tudo separado?
MM: Não, são coisas separadas. Até onde eu sei. Você tem que perguntar para eles, mesmo. Até onde eu sei é separado, e eles querem que seja porque é uma coisa deles, não é o Dream Theater. E o Liquid Tension Experiment é passado, acabou para sempre.
E você? Eu sei que você dá masterclasses, e tem postado bastante no Facebook sobre isso, e clínicas... Mas além disso você também tem algum projeto solo ou com outro grupo?
MM: Não no momento. Eu adoro dar masterclasses, vou começar a fazer elas online e também pessoalmente, porque faz com que eu seja melhor e ajuda a me relacionar com as pessoas, porque eu posso ir até um lugar e ensinar as pessoas, ouvi-las, aprender com elas em uma sala. Eu não posso fazer isso com a banda porque é uma coisa “rockstar”, sabe? Mas eu sou um aluno e professor, se eu não continuar ensinando, paro de aprender. Porque quando ensino, os alunos me mostram coisas. É muito bom para o meu espírito. Quanto a outros projetos, sim, eu escrevo músicas completas, escrevo em outros instrumentos além da bateria. Eu escrevo no teclado e toco um pouquinho, bem pouco mesmo, de guitarra e baixo, e consigo fazer bastante coisa eletrônica. Eu só não tenho tido tempo, mas farei [outras coisas]. Tenho muitas ideias de músicas, provavelmente umas 60 ou 70 ideias de músicas que posso passar para outras pessoas ou fazer por conta própria, mas não sou muito bom nas outras coisas [instrumentos] (risos).
E imagino que ensinando o seu instrumento e tudo mais não tenha tempo nem para tentar melhorar...
MM: Você tem que entender uma coisa, eu estava dando aulas em Berklee há 11 anos e não conseguia tocar muita bateria, não podia ensaiar, não podia ser eu mesmo. Eu não estava sendo eu mesmo.
Mas você ensinava teoria?
MM: Sabe o que é, uma vez teve esse novo presidente e eles não queriam que a gente saísse e viajasse pelo mundo e tocasse, queriam manter a gente na sala a maior parte do tempo. Era muito difícil pra mim, então no fim das contas a questão é que eu não estava sendo eu mesmo, não é o que eu quero fazer, ficar preso em uma sala e ser forçado a não tocar meu instrumento. Eu quero tocar meu instrumento, com pessoas. Quero ensinar ele, quero viajar, quero arrumar emprego para os meus alunos. E, veja, como eu posso arrumar empregos para os alunos se não estou no meio? Se não tenho conexões?
Você acaba meio que perdendo o contato com o mundo real...
MM: Sim, sim. Mas foi bom, eu aprendi muito. Não quero soar negativo, porque quando comecei a trabalhar lá, nos primeiros quatro ou cinco anos, foi maravilhoso.
Sim, só não era para você. Não que fosse ruim, só não combinava com você.
MM: Dar aulas é para mim, é sim.
Mas não naquele sistema que foi implementado...
MM: Sim, mas não quero dizer coisas negativas. Quando comecei a trabalhar era em meio período e no meio do caminho virou tempo integral. E eu nunca, nunca seria professor em tempo integral enquanto ainda tiver saúde para viajar pelo mundo tocando. E isso é porque assim eu posso levar os alunos comigo pelo mundo e levar o mundo para os alunos. E era para isso que eles me queriam. Não é meu lance só ensinar, fazer só isso, enquanto tenho saúde. Um dia será, mas agora não.
Está certo, enquanto você puder fazer as coisas, vai continuar fazendo...
MM: Bem, por que não? E se você fosse estudar entrevistas e fosse uma jovem mulher de 18, 19 anos. Você admira alguns entrevistadores. Você não ia querer que eles te contassem histórias sobre como foi entrevistar os Rolling Stones, o Led Zeppelin, ou o Dream Theater? Você não ia querer saber dessas coisas? É isso que eu sou para esses alunos. Eu sou o cara na capa da revista, eu sou a atração principal de uma clínica, eu sou o cara com quem Steve Vai está trabalhando. Eu sou o cara que está fazendo as coisas, que está no estúdio. É isso que eles querem, eles querem histórias, querem ouvir coisas que realmente vão fazer diferença em suas vidas. E como eu posso fazer isso em uma faculdade que não me deixa ir tocar? Tem que ser as duas coisas e é muito complicado.
Já que estamos falando desse ambiente acadêmico, as músicas do Dream Theater são bem complexas e você mesmo disse que vocês tocam “a música mais difícil que se poderiam tocar”. Você acha que essa complexidade e a atenção que a banda dá aos detalhes vêm da formação acadêmica ou é uma questão de perfeccionismo pessoal?
MM: Tem um pouco de perfeccionismo, de certa forma. Mas é um chamado, é espiritual. Se você conhece a história... Tem uma história na Bíblia sobre um mestre que tem muitos escravos e dá a cada um deles um pouco de talento. A palavra “talento” também quer dizer dinheiro, mas também é talento... Isso não é bobagem, é uma história realmente importante para nós. Então o mestre dá o talento aos escravos e manda eles saírem pelo mundo. A pessoa com quem o mestre fica chateado é o escravo que enterrou o talento. Não aqueles que o gastaram. O mestre não fica tão chateado com o escravo que saiu e gastou seu dinheiro e talento, ele fica muito bravo com aquele que enterrou seu talento no chão. E o Dream Theater não enterra o talento no chão. Sim, somos um pouco perfeccionistas, mas somos espirituais. Estamos fazendo algo com o talento que Deus nos deu. E estamos fazendo algo que demanda muito trabalho e que as pessoas sabem que é bom. Não tem nada de ruim no que o Dream Theater faz, não fazemos coisas ruins sabe? Somos perfeccionistas mas temos que ser, é uma coisa espiritual. Estamos tentando ser o melhor que podemos.
Entendo. Vocês usam a cabeça mas tocam com o coração.
MM: Sim! Sim! Você falou melhor que eu. Você que devia estar dando entrevistas, porque eu falo demais.
Bom, pra mim pelo menos isso é ótimo. Não sei se você sabe mas as pessoas aqui já estão empolgadíssimas esperando por vocês. Espero que a gente se encontre de novo logo.
MM: Certo. Se cuida, espero ver você. Traga um bom charuto cubano e vamos sentar e conversar sobre música.

Nenhum comentário:
Postar um comentário